sábado, 2 de novembro de 2013

Mulher tem que ter Cheiro de Mulher

C&T - O que é anorexia?
Valéria - Anorexia significa falta de fome. Ela pode ocorrer por vários fatores. Por exemplo: quando se tem uma virose a pessoa não tem fome, quando se está estressado também pode se perder a fome. A doença anorexia nervosa é um distúrbio psiquiátrico onde a pessoa tem uma distorção visual do próprio corpo. Enquanto ninguém acha que a pessoa está gorda e obesa, ela sempre acha que está ou parte do seu corpo está fora de forma. Então, essa pessoa tenta, por várias maneiras, parar de comer ou colocar para fora o que ingeriu. Tudo para não engordar. Além de não ingerir alimentos, a pessoa aumenta o gasto energético por meio de atividades físicas.
C&T - Os país têm alguma participação nesse processo?
Valéria - Todo esse processo começa num estágio bem leve, muitas vezes imperceptível, dentro da própria casa com reforço dos pais, que começam a achar que o filho está engordando, o culote e a barriquinha da filha também. Essa fase é perfeitamente e socialmente aceitável e, ás vezes, desejada pelos pais da criança ou adolescente. Os próprios pais torturam os filhos dizendo você está ficando gorda, assim não vai arranjar namorado, nenhuma roupa cabe em você. Com isso, a criança e adolescente sem perspectiva e sem saber o que fazer para de comer e faz coisas radicais, que é típico nessa idade.
C&T - A imagem que se vende hoje para as mulheres é de modelos magras. A imposição desse padrão contribui para aumentar a doença?
Valéria - Influência muito e está se tornando cada vez mais precoce. Hoje nós temos caso de distúrbio de anorexia em criança de oito anos de idade. A venda dessa imagem de beleza, mulheres magérrimas, sem mama e sem quadril, vira estigma de beleza. Adolescentes seguem tribos, tudo que está na moda eles copiam e isso se dá porque não se tem uma discussão muito grande em torno desse tema e pelo fato que os adolescentes acham que têm que pertencer a essas tribos. Vestem-se de maneira igual, tem que ter o mesmo corpo, ou seja, sem barriga e com prótese nos seios e as mesmas maneiras de comportamento. Assim, eles acabam encorporando uma cultura de beleza diferente da cultura de saúde.
C&T - Por outro lado, hoje há um marcante culto pelo corpo. As pessoas passam horas nas academias em busca do corpo perfeito. Há algum estudo relacionando esses estabelecimentos à doença?
Valéria - A nossa grande preocupação com relação as academias é a venda de estereótipo "externo perfeito". As academias não estão preocupadas com o interior de ninguém, nem com a cultura, a bondade e quaisquer outros atributos que a pessoa possa ter. Elas reforçam muito essa imagem de exterior que os adolescentes gostam de ter. Muitas vezes o adolescente que está muito preocupado com a imagem externa, está querendo abafar algo interno que não está bem resolvido. Então, as academias acabam reforçando essa imagem e distorcem o conceito de saúde. Os adolescentes ficam horas a fio fazendo atividades físicas como sinônimo de saúde, quando, na verdade, o ideal é apenas uma hora de exercício por dia. As academias estimulam os adolescentes a várias coisas como o consumo de anabolizantes, para um ganho mais rápido de massa muscular; adesão às fórmulas para emagrecer, aos chamados "queimadores de gorduras"; às alimentações absolutamente radicais, desprovidas de qualquer comprovação científica, como dietas ricas em proteínas, sem carboidratos e gorduras, e acabam não sendo o nosso pólo de saúde e sim um grande gerador de distorção de nutrição e de bem estar físico de uma pessoa.
C&T - A senhora, que agora assume a presidência da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (Sbem), tem algum programa ou plano no sentido de reverter esse tipo de situação?
Valéria - A sociedade, hoje, não tem uma agenda específica para a anorexia e bulimia. No momento estamos preocupados com outras situações dentro deste contexto que não são específicas em anorexia.
C&T - Poderia citar um exemplo?
Valéria - Nós seremos parceiros do Programa Fome Zero, do Presidente Lula. Estaremos levando o conceito de educação alimentar para a população de baixa renda. Observamos que a obesidade tem crescido no Brasil, assim como no resto do mundo. Mas o fator preocupante é que a obesidade tem crescido no país na periferia das grandes cidades, ou seja, das classes C e B. Isso ocorre porque quando o alimento chega sem informação, ele leva a obesidade. Quando a pessoa tem acesso a informação, tem um nível educacional maior, sabe ler jornais, acompanha os noticiários, tem acesso à internet e pratica atividades físicas. Desse modo, a pessoa não ganha peso e sempre o mantém. Mas, quando se tem acesso a alimentos mais baratos, que são geralmente os mais calóricos, a população que irá consumi-lo, não tem acesso à informação, a médicos e a uma nutrição adequada, como conseqüências essas pessoas engordam. Os nossos ex-desnutridos serão os nossos obesos e isso nos preocupa muito. Entendemos, assim, que essas são as afirmativas que a sbem precisa desencadear para chegar a essa classe e educá-la.
C&T - Essa seria uma ação única para o país todo?
Valéria - Não. Deve ser setorial e regionalmente, com cardápios específicos, pois não adianta levar um prato típico do nordeste para o Rio Grande do Sul. Existem vários fatores que aumentam a obesidade no país.
C&T - Como contornar esse problema?
Valeria - Para tentar contorná-lo vamos iniciar uma grande campanha, que é a observação de que as crianças estão cada vez mais paradas à frente da televisão, ingerindo mais pratos rápidos, fáceis de preparação, já que os pais muitas vezes não estão em casa. E principalmente no grande órgão educador da criança, as cantinas hipercalóricas. Uma grande constatação, hoje, é que as indústrias alimentícias têm entrado fortemente nos canais a cabo da TV em forma de propaganda em programas como Cartoon Network, direcionado às crianças, fazendo com que elas consumam cada vez mais alimentos calóricos. Queremos fazer uma campanha do estilo da de combate ao tabagismo, com a qual o Brasil ganhou um prêmio. O que desejamos é alertar, em forma de propaganda, os perigos da obesidade. Queremos que a nossa juventude esteja livre dessa doença. Para isso precisamos educar desde a infância, com o apoio das escolas e na exigência de mudanças na estruturação das cantinas, com fiscalização e com certificado de alimentos.
C&T - O que é Bulimia?
Valéria - A bulimia é uma forma de anorexia, só que ela alia-se a uma compulsão alimentar. A pessoa bloqueia o ato de comer, mas tem a compulsão, ou seja, não agüenta quando vê o alimento e quando vai consumi-lo fica sem controle. Depois que come sem controle, vem a culpa e a maneira que a pessoa encontra para se livrar dessa culpa é colocando o alimento para fora. A pessoa usa vários artifícios para conseguir isso, e o mais comum é a provocação de vômito. No início, colocando o dedo na boca e depois ao se tornar um estímulo cerebral. Pode-se observar, algumas vezes, essa atitude em restaurantes. Mulheres que acabam de comer e se dirigem ao banheiro. A anorexia e a bulimia são uma característica do grupo feminino, mas quando atinge o grupo masculino, elas vêm geralmente de uma forma muito mais grave, pois o transtorno é mais rápido, intenso e de difícil remoção. Existem outras formas de colocar para fora o alimento do organismo como o uso abusivo de catárticos, que causam diarréia. Há pessoas que chegam a tomar 40 comprimidos de Gutalax, o que aumenta o nível de gravidade da doença. As
mulheres sempre acham que estão inchadas e usam abusivamente o diurético. Isso começa a pressionar o rim a fazer uma diurese forçada, podendo levar a insuficiência renal e até mesmo a perda do órgão.

C&T - É muito alto o índice de casos no Brasil?
Valéria - Tem crescido e isso nos assusta. Na verdade, no início as pessoas têm controle sobre a situação, por isso sempre fazemos um alerta: se os pais perceberem que o filho está com um reforço exagerado do corpo, está falando muito em dieta, pode levar a um médico para que avalie. Pois se a doença for detectada no início a reversão é sempre mais fácil. Depois de um a dois anos, o distúrbio vai ficando cada vez mais complicado, pelo fato de ser psiquiátrico, a pessoa não consegue mais dominá-lo, perdendo o controle de suas ações.
C&T - O tratamento é complicado?
Valéria - O tratamento da anorexia e da bulimia é muito disciplinado. Ele precisa ter o acompanhamento de um psiquiatra, de um endocrinologista, de um nutricionista e, ás vezes, de um professor de educação física. Essas doenças têm ocorrido no país com adolescentes que estão no segundo grau ou em fase pré-vestibular, período em busca do corpo perfeito. Muitos pais só descobrem a doença depois dos três anos, principalmente os bulímicos. Isso porque estes têm o grande álibi de escovar os dentes. Eles acabam de comer e dizem que vão escovar os dentes, quando na verdade vão vomitar. Existe um perfil, os doentes são muito perfeccionistas e inteligentes. Para enganar seus pais, preparam sua comida e dão a impressão que estão comendo.
C&T - O que é reposição hormonal e quando ela deve ser iniciada?
Valéria - A reposição hormonal feminina ocorre devido a menopausa. Quando a mulher entra nessa fase, ela perde o hormônio chamado estrogênio e a sua fração pura chama-se estradion. Quando a mulher entra nesse período, ela procura um endocrinologista. Há dois anos o nosso discurso era: nós vamos repor o hormônio para que seus sintomas (calor, depressão, irritabilidade, atrofia na vagina e etc) aliviem e como prevenção para uma série de doenças que podem ocorrer no futuro como demência, infarto e derrame. Utilizávamos esses argumentos porque existia uma série de estudos científicos que provavam que o hormônio feminino conseguia melhorar a qualidade de vida das mulheres.
C&T - Essa situação mudou, agora?
Valéria - No ano passado surgiu um estudo que balançou a comunidade científica, pois tratava exatamente da história da prevenção e mostrou que, na verdade, o hormônio feminino - mas vale ressaltar que só foi estudado um de muitos hormônios femininos - aliviava os sintomas, prevenia a mulher da osteoporose, mas não prevenia de doenças coronarianas, cerebrais, derrames e demências. Esse estudo foi feito pelos norte-americanos e financiado pela indústria farmacêutica, que esperava resultados positivos para aumentar a distribuição de remédios. Então, ao contrário do que estávamos pensando, o hormônio até estava, muitas vezes, causando esses problemas. Hoje, o médico, devido a esse estudo, não pode mais oferecer ao paciente esses leques de vantagens. Atualmente, a reposição hormonal deve ser utilizada para aliviar os sintomas e quem tiver osteoporose, pois o hormônio se mostrou útil na recuperação deles. Mas não podemos mais dizer que previne infarto, derrame e demências.
C&T - A reposição hormonal está ao alcance da grande maioria das mulheres ou se limita à faixa que tem maior poder aquisitivo?
Valéria - A reposição hormonal de uma maneira geral não é cara, mas repor hormônio exige uma série de coisas. Todas merecem fazer, mas nem todo mundo pode. Antes de fazê-la é preciso tirar um nada consta da mulher, ou seja, fazer mamografia, ecografia de útero e ovário. Tem que fazer um estudo para saber se apresenta ou não tendência à trombose. Esses exames existem na saúde pública mas, na maioria das vezes, não funcionam como deveriam. A reposição hormonal é um tratamento muito viável e a pessoa tem acesso a ele, inclusive, no posto de saúde. O procedimento deve ser receitado por um médico e não pela comadre. Há cerca de dez anos, quando se tornou muito comum fazer reposição, quem estava prescrevendo era a comadre no cabeleireiro.
C&T - Na sua opinião, o brasileiro é hipocondríaco ou é vítima de uma "mídia" farmacêutica?
Valéria - Somos vítimas de uma cultura equivocada e que desejamos muito mudar. Hoje, se escolhe o médico pelo conselho do amigo ou do colega de trabalho e não é assim que deve ser. Antes de se ir ao médico, deve-se procurar no conselho de medicina de sua cidade e ver se ele está cadastrado como especialista na área desejada. Infelizmente, nós temos os pseudos-especialistas, que estão na praça vendendo uma porção de coisas. Atualmente, os sites das sociedades especializadas já trazem uma lista dos médicos cadastrados. A mesma coisa é a cultura que o paciente tem de ir na farmácia e conseguir o remédio prescrito pelo próprio farmacêutico.
C&T - A srª não acha que seria interessante que as entidades médicas, cada uma na sua especialidade, tivessem um programa mais agressivo de comunicação como o das indústrias farmacêuticas?
Valéria - Estamos elaborando uma carta para todas as entidades da Associação Médica Brasileira pedindo exatamente essa forma de atuação. A melhor maneira de melhorar é por meio da educação. È como se os conselhos e sociedades funcionassem como um "proconzinho" do paciente, como forma de dar apoio e fonte de informação. Infelizmente, como em todas as profissões, nós temos colegas que roubam o título dos outros e cometem atrocidades por aí.
C&T - Qual a sua opinião sobre a escultura do corpo por meio de prótese de silicone?
Valéria - Estamos muito preocupados com esse assunto. A mulher brasileira acha que o corpo adequado é aquele sem quadril, sem barriga e com uma prótese mamaria imensa. Por exemplo, a deposição de gordura no quadril não está aí por acaso. Antigamente, em qualquer tribo ancestral indígena, as deusas da fertilidade eram mulheres de quadris largos. O hormônio feminino é convertido em células gordurosas e, com a publicidade, converteu-se que a mulher desejada é aquela magérrima, sem nenhum extra no corpo. As conseqüências têm sido ruins, as mulheres estão ficando inférteis, com vaginas atróficas, sem ovulação e humidificação, ocasionando ovários polisísticos. Os ginecologistas estão dizendo que as mulheres estão perdendo o cheiro de mulher e que estamos criando mulheres doentes que terão dificuldades de fertilização. O conceito está tão deteriorado que quando se explica para essas pacientes que isso vai acontecer, elas dizem que não têm problema: depois tiro um óvulo e pego um espermatozóide do meu marido e faço uma fertilização in vitro. A cada dia, os consultórios lotam de
mulheres que não conseguem mais ter um ciclo de menstruação normal. Os médicos que vivem da medicina estética estão muito felizes, mas os médicos da área de saúde não.

C&T - Isso teria a ver com a constatação de que a população brasileira está envelhecendo?
Valéria - Não. Isso é uma outra observação. A população brasileira está morrendo mais tarde por causa de uma série de coisa boas que aconteceram no país. Há um acesso mais fácil aos antibióticos, a melhora no saneamento básico, o controle do tabagismo. A nossa população teve acesso a uma série de benefícios da saúde e por isso a média de vida é de 85 anos de
idade, enquanto antes era de 65 anos. Por outro lado, por estar envelhecendo, o câncer tem aparecido mais, pois as células estão envelhecendo.

C&T - A tireóide é um problema grave no Brasil?
Valéria - Tiróide é uma constatação e não um problema. É um diagnóstico que tem sido feito em todo o mundo. Estima-se que 10% da população aos 40 anos tenha a tireóide. Desta forma, de cada dez mulheres que chegam aos 40 anos, uma tem tiróide e não sabe. Aos 60 anos, duas têm. Toda vez que estudamos a tireóide comparamos a um carro que se vai comprar na concessionária. Você olha primeiro a estrutura, vê se não está amassado e depois analisa por dentro e confere se está tudo bem. A tireóide a gente também avalia a "lataria" dela, primeiro a estrutura e depois suas funções, ou seja, verifica se ela está normal, maior ou menor. A estrutura é avaliada pela apalpação, quando ela cresce se forma um nódulo, e a outra maneira é por meio de ecografria (exame relativamente barato). Acontece que a tireóide, como todas as glândulas do
corpo, também envelhece e isso provoca um encaroçamento, formando o nódulo. È muito difícil se constatar, numa pessoa de 50 anos, uma tireóide normal.

C&T - A uma diferença entre nossa região e o restante do país?
Valéria - Na nossa região, por faltar iodo no solo, a tireóide enruga mais facilmente. A grande preocupação da Sociedade de Endocrinologia é que todo mundo está operando da tireóide e por meio de estudos, constatamos que menos de 5% das pessoas operadas têm câncer. Então, para que operar, se nesse caso o câncer é considerado "bonzinho", ou seja, não mata. A grande ciência é saber separar aqueles nódulos suspeitos dos que são decorrentes do processo de envelhecimento.
C&T - Como a senhora vê o ensino da medicina no Brasil?
Valéria - Muito mal. Temos que analisar duas vertentes. Uma delas é a das universidades atuais, conceituadas, conhecidas por profissionais e que são, na maioria, muito boas. E todas têm sofrido. Há carência de salários dos professores, de ensino e de apoio de hospitais escolas. Com isso, a qualidade do ensino tem caído em todo o país. Por outro lado, há o aparecimento de universidades e faculdades, cuja estrutura visa apenas o dinheiro. Estamos incomodados com essa situação e vamos sentir cada vez mais o declínio do estudo no Distrito Federal, dentro dei uns cinco anos. Uma grande ameaça é o mercosul. O Brasil abrirá as portas aos médicos de outros países, sendo que o ensino brasileiro de medicina é considerado um dos melhores da América do Sul, causando uma mistura só. E a conseqüência será uma piora, em termos profissionais, na área médica.

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