quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Pesquisa do Ipea sobre assassinatos de mulheres destaca necessidade de tipificação penal para o feminicídio

Estudo revela que a cada 1h30 ocorre um feminicídio no Brasil e recomenda a criação de qualificadora para o crime no Código Penal, além do reforço de ações para efetivação da Lei Maria da Penha.
No Brasil, entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios: ou seja, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada 1h30. Os dados foram divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em uma pesquisa inédita, que reforçou as recomendações realizadas em julho pela CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que avaliou a situação da violência contra mulheres no Brasil.
Apresentada hoje a parlamentares na Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados, a pesquisa Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil – dados corrigidos sobre taxas de feminicídios e perfil das mortes de mulheres por violência no Brasil e nos estados conclui:
“Os achados deste estudo são coerentes com os resultados do Relatório da CPMI e apoiam a aprovação dos Projetos de Lei apresentados no Relatório, em especial aquele que propõe alteração do Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, como uma forma extrema de violência de gênero contras as mulheres”.
Segundo o estudo, as mulheres jovens foram as principais vítimas: mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos. Do total de mortes, 61% foram de mulheres negras, as principais vítimas em todas as regiões do País, com exceção da Sul; 36% dos assassinatos ocorreram aos finais de semana, quando grande parte das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher estão fechadas. Somente os domingos concentraram 19% das mortes.
Os Estados com maiores taxas de homicídios a cada 100 mil mulheres foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, taxas mais baixas foram observadas no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).
pesquisa ipea feminicidio nos estados
Diante do quadro preocupante, o Ipea recomenda “o reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil” – incluindo aí os projetos de lei formulados pela CPMI.
Isto porque além do elevado número de assassinatos por causas violentas – critério adotado no levantamento para indicar o feminicídio – o estudo constatou que o perfil dos óbitos é, em grande parte, compatível com situações relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher e poderiam ter sido evitadas. Um indicativo nesse sentido é que quase um terço dos óbitos  teve o domicílio como local de ocorrência.
Por outro lado, a pesquisa apontou que não houve redução das taxas anuais de mortalidade, comparando-se os períodos antes e depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha: as taxas de mortalidade por 100 mil mulheres foram 5,28 no período anterior à legislação (2001-2006) e 5,22 depois dela (2007-2011).
“Essa situação é preocupante, uma vez que os feminicídios são eventos completamente evitáveis, que abreviam as vidas de muitas mulheres jovens, causando perdas inestimáveis”, aponta a pesquisa, realizada com base na avaliação e correção de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
Lei Maria da Penha
Segundo a pesquisadora responsável pelo documento, Leila Posenato Garcia, a Lei Maria da Penha trouxe avanços incontestáveis na responsabilização e prevenção à violência contra as mulheres, mas sua plena efetivação requer uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira: “A Lei Maria da Penha trouxe avanços muito importantes e os projetos de lei formulados pela CPMI representam novos avanços. Mas, nenhuma legislação por si só resolve o problema, uma vez que a desigualdade de gênero existente na sociedade alimenta a violência contra a mulher”, considera.
Para a secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM-PR (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República), Aparecida Gonçalves, os números reforçam a necessidade de um pacto entre o Estado e a sociedade para implementar a Lei Maria da Penha e coibir efetivamente a violência de gênero.
“O Estado deve atuar fortalecendo os serviços especializados, garantindo acesso a informação e proteção às mulheres, conforme a lei determina. Mas é preciso lembrar que durante décadas e décadas foi dito que em ‘briga de marido e mulher não se mete a colher’ ou que ‘o homem não sabia porque estava batendo, mas a mulher sabia porque estava apanhando’. Ou seja, a culpa era colocada sempre na mulher e nós precisamos alterar isto, fazendo com que a sociedade se mobilize contra a violência”, avalia.
Assim, segundo a secretária, é preciso estabelecer uma rede de proteção que inclua a rede institucional e também a rede pessoal de uma mulher em situação de violência.
Uma redução mais expressiva no índice de homicídios, para a especialista do Ipea, passa pelo compromisso do Estado em acolher e proteger a mulher em situação de violência, e também por medidas para coibir a desigualdade de gênero no Brasil. “A tipificação penal é um passo nesse sentido, uma vez que se busca reduzir a impunidade para este tipo de crime e se passa a mensagem que o feminicídio é um problema gravíssimo e inaceitável”, destaca.
Tipificação penal
Entre as 68 recomendações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a violência contra a mulher no País está o projeto de lei (PLS 292/2013) que torna o assassinato em função do gênero um agravante para o crime de homicídio no Código Penal.
Segundo o PLS, o feminicídio é definido como crime de homicídio resultante de violência contra a mulher e é caracterizado em quatro circunstâncias: violência doméstica e familiar; violência sexual; mutilação ou desfiguração da vítima; emprego de tortura ou qualquer meio cruel ou degradante. Com pena prevista de 12 a 30 anos de reclusão, a intenção com a qualificadora é dar visibilidade para a dimensão da ocorrência deste crime no Brasil e levantar informações para reforçar ações de prevenção.
O texto já passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e conta com parecer favorável, na forma de substitutivo, da relatora, a senadora Ana Rita (PT-ES). A votação do projeto, entretanto, foi adiada no último dia 19 após pedido de vista coletivo.
Débora Prado
Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha

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