terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Como o fim da neutralidade da rede pode silenciar mulheres e negros

 Por Sara Boboltz


A FCC votou pela revogação de regras que garantiam que os provedores de internet não podiam favorecer sites e serviços de sua preferência


Corporações bilionárias tiveram uma vitória na quinta-feira, quando a Comissão Federal de Comunicações (FCC) americana votou pela revogação das proteções que garantem a neutralidade da rede. Essas normas foram instauradas em 2015 para impedir que as provedoras de internet, como Comcast, Spectrum e Verizon, pudessem dar tratamento diferenciado a certos conteúdos de internet.
Agora essas empresas poderão fazer exatamente isso, e legalmente. Mas as restrições a conteúdos da internet podem não se limitar a cobrar mais dos internautas por certos serviços que requerem banda larga, como o Netflix. Com a revogação da isonomia, os provedores de acesso à internet, ou ISPs (a sigla em inglês), ganham a liberdade de bloquear ou sufocar qualquer conteúdo que as desagrade.
Isso pode incluir vídeos, textos ou imagens distribuídos por pessoas cujas vozes são subrepresentadas na sociedade mais ampla, incluindo mulheres e negros.
Se um ISP optar por cobrar mais das maiores empresas na internet, como Facebook e Google, por um acesso mais rápido, essas empresas provavelmente terão como pagar. Mas se os ISPs quiserem obstruir o acesso de sites mantidos por plataformas e organizações menores e por indivíduos, o custo adicional que cobrarão pode limitar a capacidade que essas plataformas e esses indivíduos têm de transmitirem sua mensagem.
Erin Shields, que trabalha para a ONG Center for Media Justice como organizadora nacional de campo para os direitos de internet, disse ao HuffPost que enxerga o potencial de censura como um problema.
"Não seria muito improvável vermos, no futuro, algum tipo de censura de conteúdos que grandes empresas possam considerar controversos", disse Shields. Ela observou que o simples fato de se pedir a uma organização sem fins lucrativos que pague por velocidades mais rápidas de internet pode prejudicar a causa dessas ONGs, deixando-as com menos recursos para fazer seu trabalho, como, por exemplo, dar apoio a jovens LGBT.
Mas os defensores da revogação da neutralidade de rede argumentam que, embora os ISPs terão o direito de dar tratamento diferente a diferentes conteúdos, isso não significa que o farão.
"Existem muitas coisas em nossa sociedade que não proibimos explicitamente, mas isso não significa que elas vão acontecer", argumentou Michael Powell, diretor da Associação Nacional de Cabo e Telecomunicações, em teleconferência na quarta-feira. "Não existe lei que me proíba de pintar minha casa de rosa-choque, mas garanto que não pretendo fazê-lo."
Várias corporações já afirmaram anteriormente que não vão agir com favoritismo em relação a conteúdos de internet. Mas os consumidores não têm outra escolha senão acreditar no que dizem.
Evan Greer, diretor de campanhas da ONG Fight for the Future, que defende a isonomia da internet, disse ao HuffPost que os ISPs provavelmente terão mais interesse em bloquear ou diminuir a velocidade de sites e aplicativos que compitam com seus próprios serviços.
"Sem a neutralidade na rede, não haverá nada que impeça os ISPs de discriminar contra setores inteiros de pessoas ou ideologias políticas", disse Greer.
Houve um precedente dessa questão em uma disputa ocorrida em 2007 entre a organização NARAL Pro-Choice America, que defende o direito ao aborto, e a Verizon, proprietária da empresa mãe do HuffPost, Oath. A Verizon se negou a deixar a NARAL usar sua rede para um programa de mensagens de texto promocionais, citando para isso seu direito de bloquear conteúdos "controversos ou repugnantes". Uma reportagem de 2007 no "New York Times" observou que a Verizon "parecia estar contrariando seus próprios interesses econômicos", já que a NARAL pagaria pelo acesso.
(O sindicato do HuffPost é representado pelo Sindicato de Roteiristas e Escritores da América, região Leste, que é a favor da neutralidade na rede e se opõe à sua revogação.)
No texto altamente crítico de quatro páginas que escreveu discordando da decisão da quinta-feira, a comissária da FCC Mignon Clyburn expressou preocupação com o efeito da decisão sobre "grupos marginalizados" que dependem da internet para se comunicar, "porque os veículos de mídia tradicionais não enxergam seus problemas e preocupações como sendo dignos de receber cobertura".
"Foi através das redes sociais que o mundo primeiro tomou conhecimento de Ferguson, Missouri, porque os grandes veículos de mídia noticiosa não deram importância ao caso até a hashtag começar a se multiplicar", escreveu Clyburn, aludindo ao movimento Black Loves Matter.
"É através de serviços de vídeo online que o entretenimento direcionado vem crescendo, que finalmente estão sendo contadas histórias que antes foram rejeitadas reiteradamente pelos grandes veículos de mídia e distribuição. E é através de plataformas seguras de trocas de mensagens que ativistas vêm se comunicando e organizando em prol da justiça, sem serem bloqueados por 'guardas' com opiniões divergentes."
Foi através das redes sociais que o mundo primeiro tomou conhecimento de Ferguson, Missouri, porque os grandes veículos de mídia noticiosa não deram importância ao caso até a hashtag começar a se multiplicar. Comissária da FCC Mignon Clyburn
O texto da comissária ecoou declarações anteriores dela sobre o perigo de censura da internet, comparando o modo com as pessoas usam a internet hoje a como os líderes do movimento de direitos civis na década de 1960 usavam o telefone.
O deputado democrata Keith Ellison, do Minnesota, e o presidente e CEO interino da NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor) Derrick Johnson parecem concordar.
Num debate promovido no mês passado pelo Center for Media Justice, Ellison descreveu a isonomia na rede como "questão de justiça racial. Em um artigo de opinião para "The Hill", Johnson disse que o acesso ao entretenimento e o acesso a informações que podem condenar criminosos encaram a mesma ameaça.
"Imagine que você quisesse ouvir música ou assistir a programas de TV em streaming pela internet e tivesse que pagar a mais ou enfrentar velocidades de conexão muito lentas. Ou se você procurasse as imagens de vídeo que captaram os momentos fatais dos assassinatos brutais de homens negros desarmados, mas descobrisse que estavam bloqueadas", escreveu Johnson. "Essas são duas possibilidades muito reais que podem virar realidade se não mantivermos a neutralidade da rede."
Os defensores da internet neutra estão agora depositando suas esperanças no Congresso, que tem o poder de revogar a decisão da FCC no prazo de 60 dias.
Fonte: HuffPost

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